Decisão do STF impacta o planejamento de empresas familiares
Por Lucas Moreira Gonçalves, coordenador da área Societária, Mercado de Capitais e M&A | Publicado no Consultor Jurídico (Conjur) em 24/09/2020
Planejamentos sucessórios devem visar, sempre, à implementação de uma estrutura jurídica e operacional eficiente e personalizada para cada tipo de empresa familiar. A partir do mapeamento dos problemas empresariais e dos anseios dos sócios, soluções societárias e tributárias passam a ser estruturadas, garantindo solidez e crescimento para as corporações.
Iniciando pelos aspectos societários, as premissas-chave a serem trabalhadas com os sócios e diretores envolverá o fortalecimento da cultura/visão da empresa e a definição de qual será a posição das novas gerações (herdeiros) na estrutura societária.
Aprovadas as bases da reorganização societária, o próximo passo será a implementação de sua arquitetura. Nesse processo é comum ocorrer a segregação de ativos da empresa operacional — aquela que exerce a atividade empresária central — e a constituição de novas sociedades com finalidades específicas. Por exemplo, a empresa operacional poderá ser controlada por uma holding pura (sociedade de participações), enquanto a administração patrimonial poderá ser realizada em estruturas jurídicas próprias, ou seja, uma holding patrimonial para a proteção e administração de imóveis e fundos de investimento; ou offshores para a gestão de recursos financeiros.
As holdings patrimoniais são uma estrutura apartada da operação e nelas serão integralizados os imóveis presentes no capital social das empresas operacionais (registrados no ativo imobilizado) e os que sejam de propriedade dos sócios — declarados no Imposto de Renda da Pessoa Física. Dessa forma, eles possuirão uma camada de proteção contra os riscos da atividade empresária dos sócios e poderão ser utilizados como meio de geração de receitas de aluguel, com tributação inferior aquela que é aplicável às pessoas físicas.
Adentrando no viés sucessório, as holdings pura e patrimonial serão os meios adequados ao processo de consolidação das doações das participações societárias, dos patriarcas aos herdeiros. Em tal fase do planejamento sucessório, é de suma importância uma análise dos efeitos do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), principalmente no atual momento, em que as alíquotas praticadas no país, entre 5% e 8%, podem ser ampliadas para 20%, em atenção aos projetos em tramitação no Congresso. Assim, para evitar o impacto fiscal de tal aumento, é recomendável que as famílias antecipem seus projetos de sucessão patrimonial.
Quanto às holdings patrimoniais, é importante distingui-las em dois tipos: as que têm atividade imobiliária (compra, venda e locação de imóveis) e as que não possuem. As primeiras deverão pagar o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) no ato de integralização dos imóveis em seu capital social. Contudo, as receitas de locação a serem tributadas na pessoa jurídica possuem alíquotas bem menores do que as do Imposto de Renda aplicáveis às pessoas físicas. Em relação aquelas que não exerçam atividade operacional, a Constituição Federal, no artigo 156, assegura a imunidade do ITBI no processo de integralização dos imóveis no capital social.
O tema imunidade do ITBI adquiriu destaque nas últimas semanas após julgamento do STF por meio do qual os ministros alteraram o sentido semântico do texto constitucional e firmaram entendimento no sentido de que a parcela do valor dos imóveis integralizados no capital social da empresa permanecerá isenta de pagamento do ITBI, mas a quantia destinada à formação da reserva de capital não será isenta, pois sua destinação “escapa à finalidade da norma”.
Tal decisão parece contrariar diretamente a Constituição Federal, já que o citado artigo constitucional não restringe o conceito de patrimônio, dispondo que o ITBI “não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”. De todo modo, é certo que, por meio da referida decisão, o STF, em claro ativismo judicial, limitou o alcance da imunidade do ITBI.
No entanto, não foi objeto da decisão a análise da constitucionalidade do artigo 23 da Lei nº 9.249/95, que dispõe sobre a possibilidade de as pessoas físicas integralizarem os bens imóveis pelo valor constante em suas declarações de Imposto de Renda ou pelo valor de mercado dos bens ora integralizados. Dessa forma, os eventos de aumento de capital, que se valem dos valores dos bens declarados no imposto de renda das pessoas físicas, permanecem válidos e eficazes.
Todavia, já há municípios que, distorcendo o dispositivo constitucional e, agora, mal interpretando a própria decisão do STF, estão reavaliando os imóveis integralizados no capital das pessoas jurídicas. Logo, pretendem tributar, indevida e ilegalmente, pelo ITBI, a diferença entre o valor de mercado (reavaliação) e aquele que consta registrado no capital social (valor, geralmente, histórico do bem).
Os fatos demonstram a clara e desordenada tentativa dos entes governamentais em ampliar suas arrecadações e extinguir com todas as formas de planejamento tributário. Em detrimento dos abusos governamentais, medidas jurídicas serão adotadas para preservar a Constituição e o direito dos empresários.
A equipe da área Societária, Mercado de Capitais e M&A coloca-se à disposição para eventuais esclarecimentos ou orientações referentes ao tema.