O ativismo judicial na pandemia
Por Elis Christina Pinto, gestora da unidade Brasília e coordenadora da área Ambiental na Andrade Silva Advogados | Publicado no jornal O Hoje em 10/08/2020
Não é novidade para ninguém que o mundo enfrenta uma pandemia sem precedentes. Em meio a tudo isso, crises de toda ordem foram deflagradas ou se intensificaram no País.
A Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em junho, apresenta os piores resultados em 20 anos, com uma queda de 22,3% no setor, em abril, comparado ao mesmo período de 2019.
Não bastassem os números assustadores relacionados à questão da saúde dos brasileiros, bem como da economia, outra crise que se apresenta é o desrespeito à soberania e divisão dos poderes.
No Brasil, o Estado Democrático de Direito é dividido em três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo cada um competente para exercer determinadas funções.
Cabe ao Executivo a administração do Estado, governar, executar as leis, propor planos de ação e gerenciar os interesses públicos. Ao Legislativo, fiscalizar o Executivo e legislar. E, ao Judiciário, interpretar as leis e julgar os casos de acordo com as normas.
A Constituição Federal prevê de forma clara a competência de cada poder e elege a divisão deles como cláusula pétrea, ou seja, dispositivo constitucional que não pode ser alterado, nem mesmo por Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
No entanto, nos últimos tempos, estamos sendo testemunhas oculares de um verdadeiro atentado ao princípio da divisão dos poderes. Exemplos disso podem ser vistos no Distrito Federal.
Em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Governo Federal não poderia, durante a quarentena, centralizar as prerrogativas de isolamento; interdição de locomoção, serviços públicos e atividades essenciais; e que governadores e prefeitos teriam autonomia para estabelecer tais regras.
Desta forma, em 2 de julho, o governador Ibaneis Rocha assinou o Decreto nº 40.939 de 2020, que liberava todas as atividades comerciais, industriais e educacionais no Distrito Federal. No entanto, em 8 de julho, um juiz de primeira instância concedeu liminar determinando a suspensão desse decreto e, ainda, previu multa diária de R$ 500 mil em caso de descumprimento da decisão.
Após, foi publicado o Decreto nº 40.961 de 2020 suspendendo o anterior. O Governo do DF recorreu da decisão e o Tribunal, em segunda instância, acatou o recurso, cassando a liminar que suspendia a reabertura de escolas, bares, restaurantes e salões de beleza na capital federal, voltando a ser aplicável o Decreto nº 40.939 de 2020.
Não é de hoje que estamos sendo espectadores de um ativismo judicial incansável praticado pelas várias esferas do Poder Judiciário. A atuação expansiva e proativa de seus membros, ao interferir em decisões de outros poderes, tem causado insegurança jurídica às instituições e aos cidadãos.
Imaginemos um empresário que há mais 3 meses esteja com suas atividades paralisadas. Encontra na decisão do Governador a possibilidade de reiniciá-las, prepara todo o protocolo para abertura do seu negócio e, após seis dias, toma conhecimento de que, em função de uma decisão judicial, que suspende os efeitos de um ato do administrativo do Governo, não poderá continuar com o funcionamento da sua empresa. Cerca de 24 horas depois, descobre que o Judiciário cassou a decisão e que, agora, cabe ao Executivo definir sobre o isolamento. Mas isso não já havia sido determinado pelo STF em abril?
Além do empresário se preocupar com sua saúde, da família e dos seus funcionários; tem que reinventar seu negócio para sobreviver a este momento conturbado e, ainda, ficar acompanhando a edição de decretos e a promulgação de decisões, pois de manhã sua atividade pode estar autorizada a funcionar e, à noite, proibida.
A verdade é que o empresário e o cidadão não têm segurança na atual conjuntura governamental do País, pois vivemos também uma crise nas instituições.
Não se questiona aqui se o melhor caminho é flexibilizar o isolamento neste momento, mas sim a insegurança jurídica gerada pelo ativismo judicial que assola nosso Estado brasileiro.
Para ser empresário é necessário um preparo extra em sua saúde emocional ou, no mínimo, gostar de “novelas” com reviravoltas a cada capítulo. O triste é que não estamos tratando de ficção, mas de uma realidade cruel vivida sob os ditames das regras dos poderes que constituem o País.
Com a insegurança jurídica gerada por esse ativismo judicial, afastamos investidores, desestabilizamos a economia, geramos descrédito nas instituições e desencorajamos o empreendedorismo, que poderia ser a salvação do nosso Brasil.