A penhora online, a pandemia e a negativa do bloqueio de contas em tempos de crise

Artigo de Rebeca Leite, advogada da área cível, contratos e recuperação de empresas, publicado no dia 5/5/2020 no jornal Diário do Aço.

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A pandemia da Covid-19 está transformando todo o mundo e exigindo adequação geral a esse momento único, e, com o direito, não poderia ser diferente. No Brasil, desde que a crise se instalou, praticamente todos os dias, são apresentadas alterações legislativas, na busca de adequar a aplicação do direito ao momento atual.


Nos tribunais, de igual forma, vêm sendo adotadas medidas inovadoras sobre as mais diversas questões. Posicionamentos outrora consolidados são revistos diante de tamanha transformação global provocada pela pandemia e seus reflexos.

É o caso, por exemplo, de recentes decisões acerca das penhoras online, que são os bloqueios de valores em contas bancárias por meio de um convênio do Banco Central com o judiciário, o chamado sistema Bacenjud. Trata-se de uma ferramenta, na qual o juiz emite uma ordem aos bancos, determinando que efetuem a restrição nas contas da parte devedora.

O Código de Processo Civil (CPC), que regula as ações de cobrança judicial de dívidas, prevê que a satisfação do crédito em dinheiro tem prioridade em relação às demais formas. O artigo 835, ao elencar a ordem de preferência da penhora, coloca o “dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira” no topo da lista, antes dos imóveis, veículos etc.

No artigo 854, o CPC prevê também, que a determinação da penhora online ocorrerá sem que seja concedida ciência prévia ao executado, determinando às instituições financeiras que indisponibilizem os ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na ação judicial.

Assim, em casos nos quais a penhora de valores em contas de titularidade do devedor é autorizada, o bloqueio ocorre antes mesmo do devedor ser cientificado.

Essa medida, claro, visa evitar que o devedor se esquive da sua obrigação de pagamento. Todavia, considerando-se a situação de crise, o bloqueio de dinheiro em contas, nesse momento, pode resultar em um prejuízo incalculável.

Nesse sentido, vários juízes vêm entendendo pela impossibilidade de autorização desses bloqueios, uma vez que o estado de crise provocado pela pandemia dificulta a defesa do devedor, considerando as condições adversas de trabalho e todas as implicações econômicas que se seguem.

O necessário isolamento social, como medida de combate à disseminação da doença, e consequentemente, a redução da atividade empresarial e, por essa razão, do faturamento, revela um panorama em que bloquear contas, nas quais já não circula rendimentos como antes, não é medida razoável.

Nessa linha seguiu a recente decisão da juíza da 38ª vara cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no processo nº 0261352-40.2018.8.19.0001. A magistrada não autorizou o pedido de penhora, com fundamento no estado de emergência e crise econômica instalado pela pandemia, que acarreta indiscutível dificuldade ao devedor, ante as condições atuais de trabalho. Determinou, assim, que o credor buscasse outra forma de satisfação do crédito.

Embora não haja previsão legal de adoção dessa medida, a atuação do judiciário deve ser pautada na razoabilidade, mediante a aplicação do direito ao caso concreto e a busca pela preservação do que dita a lei, em harmonia com os princípios que regem o direito.

O dinheiro disponível é essencial para manutenção da atividade do empresário e, em um cenário totalmente atípico, em que empresas estão fechadas, ou com sua atividade reduzida, a autorização do Bacenjund revela-se medida, em muitos casos, excessivamente onerosa.

É preciso, pontuar, portanto, que diante de um momento de limitações, com a queda das receitas no caixa das empresas, impedir o bloqueio em contas mostra-se medida coerente e compatível com a aplicação prática do direito, ainda que tal ação não esteja expressamente prevista em lei. Claro, todavia, que cada caso deve ser analisado com cautela, buscando o necessário equilíbrio entre a preservação do direito do credor atrelada à garantia da manutenção da atividade do empresário.


 

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