Atualização do valor de imóveis no ir: oportunidade ou risco?
Por Samuel Pouzas de Andrade Silva, coordenador da área Societário, Mercado de Capitais e M&A na Andrade Silva Advogados
Em setembro de 2024, foi sancionada a Lei nº 14.973, que institui um regime de transição para a contribuição substitutiva e um sistema de desoneração fiscal para empresas. Como parte da estratégia fiscal, a lei introduziu um mecanismo que permite às pessoas físicas atualizar os valores de seus imóveis declarados no Imposto de Renda, sujeitando a diferença ao pagamento de uma alíquota definitiva de 4%.
A medida tem como alvo imóveis cujos valores declarados estão defasados, seja por valorização ao longo do tempo, seja em decorrência de benfeitorias realizadas. Até 16 de dezembro de 2024, os proprietários poderão optar por essa atualização. Apesar do benefício aparente, a Lei 14.973, regulamentada pela Instrução Normativa 2222 da Receita Federal, impõe algumas limitações que devem ser observadas com atenção para evitar armadilhas tributárias.
Alíquota aparentemente atraente, mas com armadilhas
A alíquota de 4% aplicada à diferença entre o valor de mercado atualizado e o custo de aquisição parece muito vantajosa em comparação com as alíquotas de 15% a 22,5% aplicáveis no imposto sobre o ganho de capital. Contudo, essa vantagem pode ser ilusória, dependendo de três fatores importantes:
1. Vedação de deduções futuras (Art. 2º, §3º da IN 2222): a IN 2222 esclarece que o valor pago na atualização não poderá ser deduzido futuramente em uma eventual venda do imóvel. Ou seja, o pagamento de 4% sobre a diferença entre o valor atualizado e o custo de aquisição será definitivo e não poderá ser utilizado para reduzir o imposto de ganho de capital em caso de alienação do bem.
Exemplo: Se um imóvel declarado por R$ 100 mil for atualizado para R$ 1 milhão, será necessário pagar 4% sobre a diferença de R$ 900 mil, o que resulta em R$ 36 mil de imposto. Se, no futuro, o imóvel for vendido por R$ 1,5 milhão, os R$ 36 mil pagos na atualização não serão dedutíveis do cálculo do ganho de capital, gerando assim uma tributação adicional.
2. Redução proporcional da base de cálculo ao longo do tempo: um aspecto crítico da norma é a fórmula de cálculo do ganho de capital em casos de alienação do imóvel antes de um período de 15 anos. Se a venda ocorrer em menos de 36 meses após a atualização, o ganho de capital será apurado como se a atualização não tivesse ocorrido, resultando na tributação integral sobre o valor original do imóvel.
A fórmula para o cálculo do ganho de capital, prevista na IN 2222, é:
GK = Valor de Alienação – [CAA + (DTA x %)]
Onde:
GK = Ganho de Capital;
CAA = Custo de aquisição antes da atualização;
DTA = Diferença entre o valor atualizado do bem e o valor de custo antes da atualização;
% = Percentual proporcional ao tempo decorrido entre a atualização e a venda, variando de 0% para alienações feitas em até 36 meses, e 100% para vendas após 15 anos.
Em outras palavras, se o imóvel for vendido em menos de 36 meses, a atualização será desconsiderada para fins de cálculo do ganho de capital. Assim, o contribuinte terá pago 4% sobre o valor atualizado sem qualquer benefício na tributação do ganho de capital futuro. Para vendas realizadas após esse período, aplica-se uma redução proporcional, começando em 8% por ano, até atingir 100% após 15 anos.
3. Valor do dinheiro no tempo e custo de oportunidade: um ponto fundamental, muitas vezes negligenciado, é o custo de oportunidade envolvido no pagamento do tributo para a atualização do imóvel. O desembolso imediato de valores para realizar essa atualização pode representar uma perda de oportunidades financeiras futuras.
No exemplo acima, os R$ 36 mil pagos a título de atualização poderiam ser aplicados em outros investimentos que, ao longo do tempo, gerariam rendimentos superiores ao ganho obtido com a mera atualização do imóvel. Além disso, é importante considerar o efeito da inflação e a variação do mercado imobiliário sobre o valor futuro do bem. O que parece vantajoso hoje, com a alíquota de 4%, pode não compensar quando comparado ao valor real que o imóvel e o dinheiro investido teriam no futuro.
Outro aspecto a ser ponderado é a liquidez do recurso. Ao pagar o imposto para a atualização, o contribuinte perde a disponibilidade desse valor, que poderia ser utilizado para outras finalidades, como reinvestimento no próprio imóvel, aplicação em ativos financeiros ou até mesmo reserva para emergências. Essa análise de custo de oportunidade é crucial para uma decisão mais informada.
A atualização do valor dos imóveis, proposta pela Lei 14.973 e disciplinada pela IN 2222, pode ser uma estratégia interessante para alguns contribuintes. Contudo, é essencial fazer projeções detalhadas e simulações, considerando todos os cenários possíveis. Sem uma análise criteriosa, a aparente vantagem fiscal pode se transformar em um custo desnecessário. A busca por auxílio de um especialista tributário é essencial para evitar armadilhas e tomar a melhor decisão possível.
Afinal, as medidas adotadas para fortalecer o caixa do Estado podem, inadvertidamente, penalizar o contribuinte desavisado.
Ficou alguma dúvida? Conte com a equipe societária da Andrade Silva Advogados.