Revisão dos contratos de concessão de transporte público na pandemia

WhatsApp Image 2021-10-13 at 10.12.13.jpeg

A pandemia desencadeada pela Covid-19 afetou a todos. Com o surgimento das medidas de distanciamento social e o lockdown, a circulação de pessoas diminuiu de forma drástica, impactando diretamente as empresas de transporte público. Segundo dados da Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU), houve uma redução de 80% na quantidade de passageiros transportados, somente nos primeiros quatorze meses da pandemia. 

A diminuição da demanda, somada à queda na arrecadação, colocou todas as empresas diante de um cenário crítico. Muitas tiveram de recorrer a empréstimos ou aportar bens e capital dos sócios para continuarem operando, outras enfrentam questões jurídicas sérias envolvendo o descumprimento de obrigações tributárias e trabalhistas.

Em casos assim, tanto a Constituição Federal quanto a legislação preveem a possibilidade de revisão do contrato de concessão celebrado entre as empresas de transporte e o Poder Público, aplicando-se o princípio do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. Esse princípio assegura a integridade da equação econômico-financeira estruturada no momento da contratação, ou seja, a empresa que contrata com o Poder Público tem o direito a receber uma remuneração compatível com os encargos e benefícios estabelecidos no momento da contratação durante todo o tempo de duração do acordo.

No post de hoje, vamos esclarecer alguns aspectos da crise do setor, bem como, explicar como funciona a revisão dos contratos de concessão de transporte público e o reequilíbrio econômico-financeiro desses acordos. Conhecer o atual panorama e quais medidas as empresas podem tomar é um bom começo para restabelecer as atividades, refazer acordos mais seguros e evitar maiores prejuízos. 

A crise no setor de transporte público

Antes mesmo da pandemia, o setor de transporte público já enfrentava dificuldades. Embora seja considerado um serviço público de caráter essencial, a maioria das empresas do setor lida com um déficit tarifário, especialmente aquelas que atuam com o transporte municipal.

Além do déficit tarifário, essas empresas não contam com qualquer tipo de subsídio do Poder Público, o que afeta diretamente o caixa. Com a queda na demanda durante a pandemia, cerca de 25 operadoras e 1 consórcio nacional já interromperam suas atividades, segundo a NTU. Para evitar o colapso do setor, diversos Municípios adotaram medidas como a isenção ou redução de impostos, suspensão de passagens gratuitas, compra de créditos em passagens, subsídio de combustível, entre outras. Porém, em muitos casos, essas medidas não foram suficientes.

No caso do transporte interestadual, outros fatores impactam na arrecadação. No caso de Minas Gerais, por exemplo, diversas empresas de transporte contratadas passaram a concorrer com fretados durante a pandemia. Com a publicação do Decreto Estadual n.º 48.121/20, que permitia que empresas de fretamento atuassem no transporte rodoviário interestadual de passageiros sem respeitar a regra do circuito fechado, a situação se agravou. Embora os fretados também prestem serviços de transporte, eles possuem menos exigências na prestação de serviços. Isso, naturalmente, impacta no preço da passagem, aumentando a competição pelo passageiro. Para o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, a medida incentiva a concorrência desleal e, por esse motivo, o TCE determinou a suspensão do referido Decreto. 

Para minimizar os prejuízos e evitar a insolvência, inúmeras empresas já buscaram a revisão de contratos pela via administrativa. Segundo a NTU, algumas operadoras já conseguiram permissão para a redução das frotas e a diminuição na frequência das linhas de ônibus. Porém, na maioria dos casos, essas medidas isoladas também não foram suficientes para restabelecer a saúde financeira dessas empresas. 

Revisão dos contratos de concessão de transporte público

A pandemia é considerada como “caso fortuito e força maior” que impõem novas condições para a execução do contrato. Por essa razão, a aplicação do princípio do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão se faz necessária. Em casos assim, a renegociação do contrato é uma consequência do novo cenário que impacta na sua execução. Essa revisão, contudo, deve ser feita tanto no que se refere às obrigações contratuais impostas à concessionária, quanto na recomposição econômica dos efeitos gerados pelo evento fortuito e de força maior.

O que se observa é que as empresas de transporte público vêm reagindo de forma bastante semelhante quando se trata da revisão dos contratos de concessão. Algumas estão buscando o reequilíbrio econômico-financeiro para  restabelecer as mesmas condições das licitações que foram realizadas há mais de cinco ou dez anos atrás. Outras aguardam o fim da pandemia para avaliar quais medidas tomar. Nos dois casos, a empresa pode estar criando um problema ainda maior, colocando sua saúde financeira em risco e consequentemente a operação. 

Vale destacar que o Judiciário já se manifestou autorizando a revisão dos contratos e aplicação do princípio do equilíbrio econômico-financeiro em razão da pandemia. O Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, por exemplo, concedeu a antecipação de tutela para uma empresa concessionária do serviço de transporte público coletivo de Guarapari. Na decisão, o Tribunal reconheceu o desequilíbrio do contrato em razão da pandemia e determinou a adoção de medidas visando reequilibrar, sob pena de inviabilizar a prestação de serviços de caráter essencial. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), na Suspensão de Liminar e de Sentença n°. 2696, julgada em 24.4.2020, também entendeu que a queda na demanda do transporte público gera a necessidade de uma readequação. Além disso, o STJ afirmou que a falta de modificações nos contratos poderia impactar a continuidade da prestação de serviços essenciais prejudicando a população como um todo.

Sem dúvida, o posicionamento do Judiciário é positivo para as empresas, na medida em que torna inquestionável a necessidade de revisão desses contratos e a aplicação do princípio. Contudo, é preciso ter em mente que essa revisão deve considerar dois momentos. Primeiro, é fundamental rever as exigências e obrigações do contrato de concessão para que as empresas consigam voltar a operar da melhor forma possível. Uma vez que a atividade é restabelecida, é essencial dar um segundo passo, visando o reequilíbrio econômico-financeiro a longo prazo para garantir a execução das atividades, sem que isso afete a saúde financeira da empresa. 

O ideal é criar um ambiente de cooperação entre o concessionário e a concedente para que o reequilíbrio financeiro-econômico, de fato, permita a recomposição das atividades e sem comprometer o caixa. 

A revisão dos contratos de concessão é uma medida que deve ser tomada o quanto antes, para que as questões financeiras não se transformem em uma espécie de “bola de neve”. Esperar o fim da pandemia ou impor condições de um passado distante que não se adequam mais a situação presente não solucionam o problema e podem levar a empresa a contrair dívidas e inúmeras ações judiciais. 

Tem dúvidas sobre a revisão dos contratos de concessão de transporte público? Entre em contato com o nosso time de especialistas e saiba mais! 


Anterior
Anterior

Receita Federal admite apuração de créditos de PIS e COFINS sobre máscaras, álcool em gel e luvas fornecidas a funcionários

Próximo
Próximo

Não incidência de contribuições previdenciárias: entenda como funciona