Os aspectos tributários em torno da recuperação judicial
Por Rodrigo Macedo, diretor jurídico na Andrade Silva Advogados | Publicado no portal Consultor Jurídico (Conjur) em 09/01/2023
Quais são os aspectos tributários que envolvem a recuperação judicial? Quais reflexos pelos quais as empresas em recuperação judicial passam em relação à gestão dos débitos fiscais do negócio em crise? Como se sabe, empresas que estão em crise financeira e optam pelo caminho da recuperação judicial normalmente acumulam passivo trabalhista, bancário, com fornecedores e, antes de todo esse passivo, certamente, um alto passivo tributário.
Num cenário de crise, o primeiro pagamento que as empresas deixam de honrar é o pagamento dos tributos. E, não raras vezes, tem-se a ideia de que a recuperação judicial não serve como remédio para a empresa em crise, uma vez que a dívida de natureza tributária não se sujeita à recuperação judicial e, portanto, não pode ser renegociada como os demais débitos.
De fato, se a empresa acumula apenas passivo tributário, não faz nenhum sentido ter a recuperação judicial como estratégia para reorganização do negócio, mas não sendo o caso, e normalmente não é, pode-se estabelecer uma estratégia interessante também com foco em créditos dessa natureza, mesmo sabendo que eles não estejam sujeitos diretamente ao concurso de credores.
Mas, então, se os débitos tributários não se sujeitam à recuperação judicial, por que tê-la como estratégia? Embora, de fato, esses débitos, em razão do artigo 187 do Código Tributário Nacional (CTN), estejam excluídos do concurso de credores, ou seja, não sujeitos à Lei de Recuperação de Empresas (LFRE), a Lei 11.101/2005, não dá para ignorar o fato de que uma empresa em crise precisa se debruçar sobre estes débitos e sobre uma forma de equacioná-los.
Mesmo porque a Lei de Recuperação de Empresas dispôs em seu artigo 57 que uma vez aprovado ou não objetado o plano de recuperação judicial pelos credores, o devedor deverá apresentar certidões negativas de débitos tributários. O objetivo da lei é buscar, nas empresas em crise, também a regularidade fiscal, como um indicador de recuperação do negócio.
O CTN, por sua vez, em seu Artigo 155-A, ao dispor sobre parcelamento tributário, menciona a necessidade, no seu parágrafo 3º, de haver lei específica sobre parcelamento para o devedor em recuperação judicial. Na sequência, o parágrafo 4 dispõe que a inexistência da lei específica implica na aplicação das leis gerais de parcelamento.
Então, percebe-se que, mesmo o crédito não se sujeitando à recuperação judicial, como há diversas previsões específicas para essas empresas, volta-se toda a atenção e discussão ao impacto desses débitos fiscais na RJ, pois quando o processo chega na fase de efetiva renegociação dos débitos, com aprovação do plano de recuperação, renegociando todo o passivo, os juízes normalmente intimam a empresa para que faça a apresentação da CND.
Durante muito tempo a previsão na lei quanto à obrigatoriedade da apresentação da CND era uma discussão muito morna, já que não havia programas de parcelamento ou legislações voltadas especificamente às empresas em recuperação judicial.
Desta forma, as empresas que não tinham condições de aderir aos parcelamentos gerais, simplesmente informavam que não havia legislação específica voltada às empresas em recuperação judicial e, portanto, estariam automaticamente desobrigadas da apresentação da CND.
E, neste mesmo sentido, foi se consolidando o entendimento dos tribunais de que, ausente lei específica sobre parcelamento, ausente a obrigação da comprovação da regularidade fiscal.
Não à toa, houve até mesmo um enunciado, fruto da Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, que não tem força de lei, mas serve de direcionamento para a uniformização das decisões dos juízes especializados, segundo o qual o parcelamento do crédito tributário na recuperação judicial seria um direito do contribuinte, e não uma faculdade da Fazenda, e, portanto, enquanto não fosse editada lei específica, não seria cabível exigir a CND.
Ocorre que, nos últimos anos, ou melhor, especialmente de 2014 para cá, mudanças significativas sobre a possibilidade de parcelamento especial para empresas em recuperação judicial surgiram.
Iniciou com a Lei nº 13.043/2014, a qual estabeleceu os critérios para o parcelamento de débitos federais, em 84 prestações mensais, prazo pouquíssimo mais alongado em relação ao parcelamento geral em 60 parcelas, e de forma condicionada à apresentação de garantia.
Nesta mesma toada, dali em diante, alguns estados e municípios também editaram leis específicas sobre o tema, com a concessão de prazos para pagamento dos débitos tributários nos seus âmbitos, naturalmente, de modo a aliviar o fluxo de caixa da empresa em crise.
Contudo, grande parte dessas leis serviram, tão somente, para reacender a discussão sobre a exigência da CND para as empresas em recuperação uma vez que, se há legislação específica para o parcelamento das dívidas fiscais, não se pode mais invocar a ausência de legislação, conforme o enunciado mencionado e conforme os entendimentos dos tribunais sobre a aplicação da lei se firmavam até então.
Acontece que essas legislações que surgiram estavam totalmente desalinhadas com a realidade das empresas em crise. Então, se a condição posta não condiz com o fôlego que a empresa em crise precisa, a exigência de apresentação da CND a tornaria inviável, privilegiando o credor fazendário e colocando-o como um mero obstáculo para a recuperação do negócio como um todo e em relação aos demais credores e interessados.
Porém, de lá para cá, tivemos uma importante atualização na Lei de Recuperação Judicial, por meio da Lei nº 14.112/2020, a qual trouxe alguns avanços.
Com essa legislação, de início, já se aumentou o prazo de parcelamento de 84 meses para 120 meses (artigo 10-A). Além disso, tem-se agora também o a previsão contida no artigo 6º-B, o qual retirou a limitação dos 30% para utilização de créditos de prejuízo fiscal e base negativa, quando da apuração do IR e da CS, para os casos de ganho de capital fruto da venda de bens da recuperanda.
Ainda, por meio do artigo 50-A, também inovado com a referida lei, restou disposto que a receita fruto da renegociação da dívida pelo devedor não será computada na apuração da base de cálculo de PIS e Cofins, dando, ainda, a possibilidade de deduzir as despesas com as obrigações assumidas no plano de recuperação na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
E, por fim, não menos importante, novas possibilidades: transação tributária dada pela PGFN, para negociação de débitos inscritos em dívida ativa da União e do FGTS, também com condições especiais para empresas em recuperação; e a alternativa dada pela RFB, de inserir, em parcelamento, débitos de contencioso administrativo, de diferentes espécies tributárias, diretamente pelo sistema e-cac, com benefícios.
Por óbvio que as alternativas podem ser viáveis para alguns negócios e não serem viáveis para outros. Tudo depende do cenário de cada empresa.
É inegável que quanto mais alternativas existirem para a regularização destes débitos, maiores as chances de que a empresa passe com sucesso pelo procedimento da recuperação judicial.
Porém, importante se lembrar, e neste ponto há muitas críticas em relação à lei, que a exigência em relação à CND carece de melhoria no texto legal ou mesmo de se firmar de forma mais assertiva pelos tribunais, já que a lei chama a fazenda a participar do processo, o débito continua sem se sujeitar ao processo, exige-se a CND, mas não resolve, de forma expressa e clara, quais as consequências caso a empresa não apresente a certidão.
Desta forma, não se pode falar que é causa de falência a ausência da CND, pois isso significaria a morte da sociedade empresária o que, ausente previsão legal expressa, não se pode concluir de forma extensiva.
Importante lembrar também que, com a reforma da lei, a fazenda passou a ter mais protagonismo, sendo intimada desde o início para manifestar, apresentar relação completa de seus créditos inscritos em dívida ativa, cálculos, classificação, porém, na hipótese de não apresentação da CND, caberá a fazenda tomar ciência desta situação e promover a execução fiscal, conforme a Lei de Execuções Fiscais, cabendo ao juiz, neste caso, tão somente cientificar o fisco na decisão que concede a recuperação judicial.
Sob a ótica da preservação da empresa, princípio maior e regente da legislação falimentar, a consequência da falência não faz nenhum sentido, já que privilegia apenas o fisco e, lado outro, prejudica os demais credores, prejudica a empresa e seus empregados.
A empresa, claro, deve buscar formas de solucionar o passivo fiscal, mediante parcelamento específico, os quais têm trazido condições especiais mais favoráveis do que os parcelamentos em geral, para empresas que estejam em recuperação judicial e, não sendo o caso, recuperar-se, continuar em atividade e firmar o parcelamento ou a transação em momento oportuno.