O que esperar do mercado de legaltechs?

Entrevista com Priscila Spadinger, CEO da Aleve Legaltech.

- Para especialista, cenário é promissor para quem pensa em inovação e tecnologia, mas assunto ainda é pouco tratado.


A necessidade de inovação chega a todos os mercados, inclusive o setor jurídico. Mesmo que o ramo da advocacia seja, tradicionalmente, mais resistente às transformações tecnológicas, é possível afirmar que as soluções com base em tecnologia já são parte das rotinas de tribunais, escritórios e até mesmo advogados que trabalham por conta própria.

É nesse contexto de soluções inovadoras que nascem as law e legaltechs, empresas de base tecnológica (startups) que buscam por soluções que visam modernizar e automatizar o setor e validar o lado intelectual da profissão.

Esse ambiente tem transformado o setor legal brasileiro, mas ainda tem muito que caminhar. Para falar um pouco mais desse ambiente de inovação, LexLatin entrevista Priscila Spadinger, especializada em startups e CEO Aleve, uma venture builder do setor jurídico. Acompanhe.

- Como você avalia o mercado de legaltechs hoje no Brasil?

Temos um cenário extremamente interessante para os advogados que pensam em inovação e tecnologia, mas ainda é um assunto pouquíssimo tratado. O que o mundo está vendo é a possibilidade de simplificar o acesso à Justiça através da inovação da tecnologia.

Mas ainda existe um gap muito grande entre ser um advogado que entrega conteúdo, conhecimento, em comparação com aquele que está fazendo a máquina girar.

O mundo hoje não tem números efetivos, porque não existe um órgão que faça esse tipo de pesquisa. A não ser aqui no Brasil, que tem a Associação Brasileira de Legaltechs, que tem fóruns que discutem sobre isso no mundo. A Aleve será um polo de concentração desses números em breve, porque temos só cinco meses de vida.

- Qual o potencial desse mercado?

Temos hoje um milhão e duzentos mil advogados ativos, mais de 2 milhões de bacharéis em direito sem OAB. É um advogado para cada 200 mil habitantes, é muita coisa. Somos o segundo maior país do mundo em número de advogados, em proporcionalidade.

Há milhões de oportunidades para transformar esse Brasil burocrático, complicado em termos de legislação, em um país mais simples de acesso à Justiça. No final do dia, o que todo mundo está vendo, em termos de oportunidade, é facilitar a vida do advogado ou do escritório de advocacia, ou de departamento jurídico, órgãos públicos, onde tiver um profissional do direito, para que ele entregue o conteúdo que ele foi treinado para dar.

A era dos anos 1980 de ter clusters regionalizados, em que cada região pensa de um jeito, está um pouco defasada e hoje a tendência é de jurimetria. Não é de consolidar pensamentos, porque o ser humano está em constante evolução e as ciências humanas não podem fazer ficar tudo redondo. Mas ao mesmo tempo integrar todo o sistema nacional, empregar tudo de uma forma mais simples para usabilidade é a grande oportunidade que a gente tem hoje.

- Imagino que muitos advogados têm medo de serem substituídos pela tecnologia. Isso vai acontecer?

Não. O advogado nunca vai deixar de existir, mas ele vai existir se realmente continuar entregando o conhecimento aplicado ao que ele se especializar. O advogado que entrega o básico, que uma máquina poderia fazer através de uma inteligência aplicada, estará fora do mercado. Aliás, já está. O advogado que entender que o conteúdo dele é relevante e que ele faz diferença na vida do cliente, esse continua. Então, o bom advogado é aquele que faz diferença nas entregas.

- Desde 2020 vimos uma enorme evolução da informatização dos processos. O quanto essa aceleração da tecnologia está sendo importante para o desenvolvimento de um ambiente de legaltechs hoje no país?

É crucial, 200% de avanço em cima da pandemia. Nós tivemos um crescimento surreal. Hoje, nós temos 500 legaltechs no Brasil, mapeadas pela Associação Brasileira de Legaltechs. É um mercado que cresceu 731% no ano passado. A pandemia, obviamente, fez com que os advogados abrissem o olho para isso. Mas o medo do advogado é se ele vai ter mais trabalho, porque ele relaciona tecnologia com trocar de sistema, trocar os papéis virtuais. Na verdade, o foco de uma legaltech não é entregar tecnologia para dar mais trabalho, é para diminuir o trabalho mecânico do advogado.

- Quais são as áreas que o advogado pode aplicar o trabalho de legaltechs no dia a dia?

Ele pode aplicar, primeiro, na jurimetria, onde consegue fazer pesquisas com a inteligência artificial de forma muito mais efetiva. A automatização de processos traz tudo do físico para o digital, com uma inteligência por trás. E a questão das entregas do trabalho jurídico de forma facilitada.

Vou dar um exemplo. Eu tenho uma legaltech que faz revisão de cálculo previdenciário. Se você entrar no INSS, tem aquela carta de concessão, você nunca vai saber se aquilo está certo ou errado. Então, nossa legaltech consegue, em alguns segundos, mostrar se está certo ou errado, se você tem dinheiro a mais ou a menos para receber e aí você fica com esse laudo na mão e pode contratar qualquer advogado da plataforma para pedir isso administrativamente no INSS ou na Justiça.

Ligamos profissionais especializados a um tema específico. E veja que interessante, vou criar um clubinho para as pessoas que estão ao redor para ter fintech depois, para ter plano de benefício, várias coisas. A intenção é atrair os 210 milhões de brasileiros a reverem e fazerem seu planejamento financeiro. A gente entrega o lado gratuito e depois eles vão pagar pelos serviços, mas para advogados.

- Quais são as áreas de desenvolvimento de legaltechs mais promissoras? Esse mercado está restrito a jovens advogados?

Esse ambiente está muito mesclado hoje em dia entre jovens advogados e mais experientes. Eu tenho legaltechs que sócios com mais de 60 anos estão usando. Há uma conjunção boa de três gerações - um retrato da sociedade. Eu não sei te dizer o tamanho desse mercado hoje aqui no Brasil, porque é tanta oportunidade que não consigo consolidar em números. Onde se olha uma dor, dá para juntar um processo.

- Na última semana aconteceu o leilão do 5G no Brasil. O quanto isso é importante para o desenvolvimento de legaltechs por aqui?

Eu tenho uma startup que não seguiu conosco porque a tecnologia desenvolvida por eles só funcionaria se tivesse o 5G. Então isso é uma barreira. Essas coisas precisam do 5G para ontem, para fins de coleta de dados. Essa startup veio do Ministério Público do Rio de Janeiro e eles precisam do 5G para fazer coletas de provas e evidências, para fazer toda uma pesquisa ao redor de um delito.

Não seguimos com ótimas oportunidades porque não tinha tecnologia o suficiente para transmissão de dados ou coleta de tudo o que precisava para criar um sistema. É como criar o Star Wars nos anos 1970 e não conseguir concluir. Então, aqui não impactou no que eu estou desenvolvendo. Mas pode ir muito além. Como eu vou ter 30 legaltechs em 5 anos na Aleve, dá tempo para eu esperar o 5G chegar.

- Como os escritórios de advocacia estão trabalhando esse ambiente de desenvolvimento de legaltechs, estão antenados com isso? Ou só os maiores? Existe um gap entre os médios e pequenos?

Ninguém está trabalhando com isso. Se existe dez ou vinte escritórios que estão olhando para isso é muito.

Os grandes estão pagando para ver o que vai dar. Eles ainda estão entendendo a importância das legaltechs no cenário nacional e mundial. Mas não estão se movimentando porque, primeiro, não sabem gerir o tempo. O foco é no cliente, não no advogado, no produto.

Então, aqui é um ambiente que eles vão, inclusive, aprender sobre gestão e de como ser empreendedor. Os advogados que estão ao lado das legaltechs estão aprendendo muito mais sobre gestão do que propriamente inovação e tecnologia.

- Quais são as contribuições das legaltechs?

Se estabelecerem que as universidades brasileiras precisarão ensinar direito digital teremos poucos professores preparados para isso. Não estamos preparados para a avalanche da nova geração que vem chegando. Não podemos fechar os olhos para tudo isso. Se o advogado não fala a língua do cliente, que é da nova economia, ele está fora do mercado. Hoje as empresas mais valiosas do mundo são de tecnologia e inovação. Então, ou você abre os olhos e entende ou você está fora.

- O que os advogados precisam aprender e evoluir quando o assunto é tecnologia?

Inovar vai desde atender o cliente na hora que ele liga e não deixá-lo esperando, dias após dias, para ter um retorno sobre o processo dele. Se isso para você é inovação e se a tecnologia pode ajudar no dia a dia para que você foque no que você é melhor em termos de conteúdo, então, sim você está no caminho certo.

Se você não está olhando isso, atente-se! Você pode ser atropelado pelo o que estamos produzindo do lado de cá na Aleve. Não tem como ficar de fora desse movimento, porque o mundo está falando a respeito disso.

Quem detém informação, detém o poder. Então, ou você sai da sua cadeira e entende como a informação e a tecnologia pode contribuir com seu dia a dia, ou você fica para trás.


Fonte: https://br.lexlatin.com/entrevistas/o-que-esperar-do-mercado-de-legaltechs


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