A Incidência do ITCD na Extinção do Usufruto
Por Jonathan Mendonça, assistente jurídico da área Societária, M&A e Mercado de Capitais na Andrade Silva Advogados
Navegar pelo mar do direito tributário brasileiro é, por vezes, uma jornada complexa. Entre os diversos tributos que permeiam nosso ordenamento jurídico o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD) se destaca, sobretudo no contexto do planejamento patrimonial e sucessório.
De competência dos Estados e do Distrito Federal, o ITCD incide sobre a transferência de bens ou direitos por falecimento (causa mortis) ou por doação, conforme determina a Constituição Federal em seu art. 155, inciso I. Em linhas gerais, quando alguém herda ou recebe como doação um bem ou direito, há a ocorrência do fato gerador desse imposto.
Apesar de estadual, o tributo é limitado por diretrizes federais: cabe ao Senado Federal estabelecer suas alíquotas máximas, que hoje variam entre 2% e 8%, conforme o art. 155, §1º, IV, da CF. A aplicação concreta do imposto, no entanto, depende da legislação estadual, com base no local do bem imóvel, do domicílio do doador ou da tramitação do inventário/arrolamento, no caso de bens móveis.
Nos últimos anos, especialmente em razão da pandemia do COVID 19 e a possível majoração da alíquota do tributo (haja vista as propostas em tramitação no Congresso Nacional) o planejamento sucessório ganhou ainda mais relevância. Buscando segurança jurídica, eficiência fiscal e a sucessão patrimonial, muitas famílias e empresas passaram a recorrer à constituição de holdings familiares, com a doação de seu patrimônio, seja imobiliário ou participações societárias, acompanhada de cláusulas restritivas, como a incomunicabilidade, impenhorabilidade e a reserva de usufruto.
O usufruto, disciplinado pelo Código Civil em seus arts. 1.225 e 1.394, é um direito real temporário que permite a quem recebe, usar e obter os frutos de um bem alheio, com o dever de conservá-lo.
Na prática, ao doar quotas de uma holding com reserva de usufruto, o doador transfere apenas a nua-propriedade, mantendo para si os direitos políticos (votação e decisões estratégicas) e econômicos (recebimento de lucros e dividendos).
Nesse cenário, em função da transmissão da propriedade de um bem, ainda que a nua-propriedade, há a incidência do ITCD. Este, portanto, incide somente pela transmissão do bem, não pela existência de cláusulas restritivas. Entretanto, alguns Estados vêm exigindo o recolhimento do ITCD também no momento da extinção do usufruto, ou seja, quando há uma renúncia por parte do donatário ou por falecimento do usufrutuário/doador, sendo uma cobrança inconstitucional.
Essa exigência por parte de alguns estados se mostra indevida em razão da natureza jurídica da operação, uma vez que a extinção do usufruto não configura nova transmissão de propriedade, mas apenas a consolidação da propriedade plena pelo nu-proprietário, uma vez que a transferência da titularidade já ocorreu na doação inicial, com o devido pagamento do imposto e, portanto, não é uma hipótese de incidência do tributo.
Dessa maneira, torna-se clara a transposição, por parte de alguns Estados, dos limites impostos pela Constituição e principalmente pelo Código Tributário Nacional, uma vez que ao exigir o pagamento do ITCD no momento da extinção do usufruto, se altera uma definição clara e equipara um fato isolado (extinção do usufruto) ao fato gerador do ITCMD. Vejamos o que dispõe o art. 110 do Código Tributário Nacional (CTN):
“Art. 110 - A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
Esse entendimento já é reconhecido por diversos tribunais brasileiros, como o TJDFT, o TJSP e o TJMG, apesar da recorrência na cobrança por parte dos Estados.
É evidente que a cobrança do ITCD na extinção do usufruto representa uma bitributação disfarçada, sem respaldo na Constituição nem no Código Tributário Nacional. Trata-se de uma prática que viola os princípios da legalidade, tipicidade e da vedação ao confisco, colocando o contribuinte em uma posição indevida. Dado o exposto, é imprescindível que um planejamento patrimonial e sucessório seja feito de maneira individualizada, conduzida por profissionais experientes, que possam orientar da melhor forma, trazendo segurança jurídica e uma menor carga tributária para seu cliente.
Ficou alguma dúvida? Conte com a equipe societária da Andrade Silva Advogados.