Planejamento sucessório no exterior: joint tenancy e implicações fiscais

Por David Gonçalves de Andrade Silva, fundador na Andrade Silva Advogados | Publicado no ConJur em 20.10.2023


Em um cenário de absoluta incerteza econômica e jurídica em que submetidos todos nós, nesta distopia em que vivemos, no qual se aproximam (1) a aprovação do Projeto de Lei nº 4.173/23, para tributar o capital de residentes brasileiros aplicado em paraísos fiscais (offshores e trusts), com alíquotas progressivas que vão de 0% a 22,5%, independentemente de sua efetiva distribuição, (2) a criação, para o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações), de um regime progressivo de cobrança (PEC da Reforma Tributária) e (3) o aumento, significativo, do teto máximo da alíquota do mesmo imposto (fala-se de um saldo de 8% para 20%), as preocupações das famílias empresárias têm se voltado, muito, para o estudo da viabilidade, ou não, de criação de estruturas de investimento e sucessão no exterior.

Dentre tais mecanismos, o instituto do joint tenancy mostra-se muito utilizado. É, de fato, instrumento desconhecido do Direito brasileiro, aproximando-se, quando muito, do condomínio ou da copropriedade, quando cada um dos condôminos é titular de uma fração determinada de um bem, mas dele se distanciando, uma vez que é modalidade de direito de propriedade que prevê, em síntese, a possibilidade de um mesmo bem ser detido simultaneamente por mais de uma pessoa de forma indivisível, ou seja, uma pluralidade de proprietários pode deter, concomitantemente, a propriedade integral do bem.

Esse tipo de cláusula ou condição em geral é utilizada conjuntamente com a previsão que estabelece um direcionamento sucessório no sentido de que, com o falecimento de um dos proprietários, o bem passe a ser detido, automaticamente, pelos demais coproprietários sobreviventes, não havendo, assim, transmissão do bem para terceiros — Joint Tenancy with Rights of Survivorship (JTWRS).

As sociedades offshore, com cláusulas dessa natureza, criam uma pluralidade de proprietários que detém, concomitantemente, uma única propriedade, no caso, as ações de emissão daquela companhia.

De modo geral, as sociedades offshore são criadas pelos pais, que aportam, eles, unicamente, todos os recursos destinados à capitalização da companhia, em benefício dos filhos, seus sucessores diretos, os sócios da offshore.

Nesse momento, com a estruturação da offshore com a cláusula Joint Tenancy with Rights of Survivorship, nasce, no Direito Brasileiro, uma verdadeira doação, visto que apenas os filhos são titulares e proprietários, comuns, de todas as ações emitidas com o capital integralizado. Em sendo assim, como se verá doravante, atrai-se a hipótese de incidência e fato gerador do ITCMD.

Esse, o primeiro reflexo que se deve levar em conta já no momento da capitalização dos recursos, pelos fundadores.

Como o instituto em questão, como se viu, se estrutura na premissa de que todos são proprietários comuns do todo, em caso de falecimento de um dos sócios, sua participação naquela sociedade não irá se destinar aos seus herdeiros, seus filhos, por exemplo.

Todas as ações daquela sociedade serão, então, de titularidade única e exclusiva dos demais sócios, no exemplo, seus irmãos, que sobreviveram, o que quebra a cadeia de sucessão, implicando em prejuízo aos herdeiros do irmão falecido.

De modo que, pode-se concluir, as cláusulas de Joint Tenancy with Rights of Survivorship, se acomodam melhor quando os bens que compõe a offshore são comuns, por exemplo, quando pertencentes ao casal e quando apenas o casal se estabelece como proprietários das quotas da offshore.

Quando constituídas em favor e em benefício dos filhos, o falecimento de qualquer um deles cria verdadeiro caos sucessório, eis que os herdeiros do falecido não participarão do ativo submetido à cláusula Joint Tenancy, que continuará como de propriedade comum dos sobreviventes, apenas.

Além disso, se os cônjuges e filhos forem residentes fiscais no Brasil, eles estarão sujeitos à declaração de IRPF e demais obrigações tributárias no País, inclusive o Imposto de Renda incidente quando os recursos financeiros forem trazidos de volta para a pessoa física.

No que se refere à incidência do ITCMD nas hipóteses de doação ou inventário em que que residentes no Brasil possuam bens no exterior, vale destacar a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o caso, em 24/05/2022:

"Fl. 22 do acórdão
No caso do ITCMD, o mecanismo para se evitar potencial conflito federativo entre os entes da federação foi acionado pelo próprio constituinte, ao exigir, no inciso III do referido § 1º, a edição de lei complementar para regular a competência e a instituição do ITCMD quando o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou o de cujus possuir bens, tiver sido residente ou domiciliado ou tiver seu inventário processado no exterior. Nessa hipótese, é a lei complementar que, “desempenhando a função que lhe foi atribuída pelo art. 146, I, da Magna Carta, vai disciplinar o assunto, dando critérios para que se saiba, com exatidão, a qual unidade federativa compete o imposto em tela”, nos dizeres de Roque Antonio Carraza.

Fs. 30 do acórdão
Todavia, embora a Constituição de 1988 atribua aos estados a competência para a instituição do ITCMD (art. 155, I), também a limita, ao estabelecer que cabe a lei complementar – e não a leis estaduais – regular tal competência em relação aos casos em que o “de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior” (art. 155, § 1º, III, b). Em outras palavras, a Constituição de 1988 não concedeu aos estados a competência para instituir o ITCMD nessa hipótese, pois tal competência deve ser regulada por lei complementar".

Ou seja, são dois requisitos inafastáveis para que seja aplicada a decisão acima, proveniente do Tema 825 do STF: (i) o doador deve, obrigatoriamente, ter domicílio ou residência no exterior ou se (ii) o falecido possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior.

Assim, nos casos em que residentes no Brasil possuam bens no exterior, a doação ou transmissão causa mortis dos bens em questão estará sujeita à incidência do ITCMD, nos termos das legislações estaduais vigentes, podendo ocorrer, no caso das offshores criadas com a cláusula Joint Tenancy, o entendimento fiscal de que a doação ocorreu exatamente quando da capitalização dos recursos pelos pais, em benefício dos filhos, proprietários comuns daquela sociedade.

Recomenda-se, assim, criteriosa avaliação, pelas famílias empresárias, dos efeitos sucessórios e tributários derivados da constituição de offshores submetidas à cláusula joint tenancy (Joint Tenancy with Rights of Survivorship — JTWRS).

Ficou alguma dúvida? Conte com a equipe societária da Andrade Silva Advogados.


Anterior
Anterior

Sucessão patrimonial e planejamento tributário

Próximo
Próximo

Perenidade das empresas familiares