JOTA ouve David Andrade Silva sobre “Obstáculos e próximos passos na negociação da dívida de MG

Por David Gonçalves de Andrade Silva, fundador da Andrade Silva Advogados | Publicada no JOTA em 30.08.2024


Desde que o acordo entre União e estado foi divulgado, as tensões locais cresceram e as dúvidas também.

A crise da dívida mineira anda em círculos no último ano por um motivo: o governo Zema não conseguiu os votos na Assembleia Legislativa para aprovar a adesão do estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e menos ainda para o teto de gastos. A decisão do ministro Nunes Marques de permitir um período de conciliação em que o estado atuará “como se estivesse” no RRF não muda essa realidade. E nas 24 horas desde que o acordo entre União e estado foi divulgado as tensões locais cresceram. E as dúvidas também. Primeiro, lei ou decreto?

Ainda antes da homologação do acordo pelo relator Nunes Marques, com aval do plenário, Zema editou na quarta-feira um decreto instituindo o teto de gastos no estado, limitando o aumento de despesas e restringindo reajustes salariais e contratações. São medidas previstas pelo artigo 8º da Lei Complementar 159/2017, que criou o RRF. Ocorre que a instituição por decreto de limitações que dependem de uma lei já despertou reações políticas e abre um novo flanco jurídico.

“Representa uma ilegalidade. O governo Zema não tem votos para aprovar o PLC do teto de gastos na Assembleia Legislativa. Aí fez por canetada. A homologação da adesão ao RRF não isenta o estado de aprovar as medidas necessárias. A legislação federal do RRF existe legislação de teto de gastos. Não pode ser por decreto”, disse ao JOTA a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT).

A oposição propôs ainda na quarta um projeto de resolução para derrubar o decreto de Zema, sob o argumento de que o governo tenta passar por cima de atribuições do Legislativo.

Especialistas ouvidos pelo JOTA compartilham dessa visão.

“Nesse caso, o governo de Minas Gerais assumiu uma competência que pertence à Assembleia Legislativa do estado. A instituição de um teto de gastos por um mero decreto, sem passar pelo Legislativo, viola o princípio constitucional da separação dos três Poderes", disse ao JOTA a tributarista Renata Elaine Ricetti Marques.

O tributarista David Andrade Silva concorda e lembra que a Constituição de  MG estipula as diretrizes orçamentárias, dívida pública e abertura e operação de crédito são da competência da Assembleia:

“O decreto promulgado pelo governador, inobstante a sua justa motivação, isto é, para dar cumprimento ao acordo mediado no âmbito do STF para adesão do estado ao RRF e diante da inação da Assembleia Legislativa estadual, me parece instrumento jurídico inadequado ao seu propósito”.

Fontes do governo de Minas ouvidas pelo JOTA dizem que Zema está embasado na decisão do STF. Ao mesmo tempo, reconhecem que o decreto visa a driblar obstáculos políticos. No momento em que os deputados estaduais estão focados em eleger prefeitos aliados em suas bases, exigir que eles liguem seus nomes em uma votação à restrição do orçamento do estado seria pedir demais.

Indefinições

A polêmica sobre este ponto específico mostra como as mesmas dificuldades políticas que tornaram o acordo necessário continuarão sendo obstáculos à sua implementação.

O mesmo se aplica a uma solução definitiva para a dívida. O acordo e a liminar de Nunes Marques citam um prazo de seis meses para a negociação de medidas estruturantes do Regime de Recuperação Fiscal, mas o ministro destaca em sua decisão a necessidade de “continuidade das tratativas entre os entes federados, para ingresso definitivo do Estado de Minas Gerais no RRF”.

Ou seja: o ministro deixa claro que o STF está mais uma vez dando tempo para uma solução política. E cita o RRF por ser o mecanismo legal em vigor. Mas se o Propag, já aprovado no Senado, passar pela Câmara e virar lei, a proposta do senador Rodrigo Pacheco para uma nova renegociação das dívidas dos estados seria um novo caminho. Mesmo a aplicação das regras da nova lei seria influenciada pela incerteza de hoje, na medida em que há previsões diferentes para estados que já estão no RRF e estados que estão fora do regime. Qual seria o rito para um estado que paga parcelas “como se” estivesse no RRF?

Um outro “se” é a própria configuração do Propag depois de passar pela Câmara, de onde pode sair com as digitais de Arthur Lira. O presidente da Câmara teve recentemente menos atritos com Pacheco, padrinho da proposta, mas sabe da relevância de um projeto que afeta potencialmente todos os estados.

O que está mais claro é que o pagamento de parcelas da dívida a partir de outubro (com a primeira referente a agosto) será apenas do valor mensal, sem adição neste momento dos valores acumulados desde 2018 pelas parcelas não pagas desde as sucessivas liminares do STF. A discussão maior sobre esses valores, que a AGU cobrou nos últimos meses, seguirá nas mesas de conciliação e em outra ação no STF, a ACO 3687, também sob relatoria de Nunes Marques.

Destino da Cemig e Copasa

A proposta de Pacheco, materializada no Propag, prevê a federalização de ativos dos estados para abater a dívida. No caso de Minas, a Codemig é um alvo definido dessa transferência, que é prevista inclusive no caso do RRF. Para Copasa e, especialmente, Cemig, o caminho é mais complexo, e houve um notável esfriamento de expectativa.

Tanto a ALMG quanto a Fazenda emitiram sinais nos últimos meses de que o processo é complexo demais e com pouco efeito sobre o estoque da dívida. Para Zema, isso não significaria um caminho aberto para privatizar as empresas.

Grande parte da situação atual da renegociação da dívida deriva da incapacidade de o governo mineiro conseguir maioria simples para aprovar a adesão ao RRF e maioria absoluta (39 votos) para aprovar o teto de gastos. Privatização de uma das duas companhias demandaria a aprovação de uma emenda constitucional, com 48 votos, algo hoje fora do alcance para o governo, em especial em um tema tão polêmico. Por isso, o call do JOTA neste momento é de que tanto Copasa quanto Cemig continuem sob controle do governo mineiro no horizonte deste governo.

Ficou alguma dúvida? Conte com a equipe tributária da Andrade Silva Advogados.


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