Novas regras podem afetar negócios bilaterais
Por Ivo Neri Avelar, coordenador da Consultoria Tributária na Andrade Silva Advogados | Publicada no Diário do Comercio no dia 14 de junho de 2022
Autoridades norte-americanas aumentaram exigências para o aproveitamento de crédito tributário de outros países.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aprovou, na última sexta-feira (10), o roteiro de adesão do Brasil à entidade. Desde 2017, o País é candidato a fazer parte deste seleto grupo de 38 nações, e um dos maiores entraves está em seu sistema tributário, em especial a legislação sobre preço de transferência e, mais especificamente, os tratados sobre bitributação.
A questão atinge diretamente os negócios brasileiros com outros países, entre eles os Estados Unidos. Exemplo disso é a Treasury Decision (TD) 9959, uma espécie de instrução normativa do Departamento de Tesouro Americano aprovada no ano passado, que aumentou as exigências para aproveitamento de créditos tributários de outros países.
“Basicamente, os EUA restringiram que empresas americanas se aproveitem de crédito de tributo pago em outros países que não possuem legislação similar à sua ou ainda, que não possuam um ADT (Acordo de Dupla Tributação) com os EUA”, explica o contador da AllShore Accounting & Services, Henrique Netska.
Uma medida que, segundo ele, traz consequências negativas para o Brasil. “Com o aumento da carga tributária entre os dois países, a atratividade de realizar negócios no Brasil fica menor, afetando o comércio exterior tanto para os investimentos que já estão instalados, quanto aos possivelmente novos”, acrescenta.
Como a instrução foi aprovada em dezembro do ano passado, já em 2022 empresas que possuem relações de negócios entre os dois países sentirão seus efeitos. Para Netska, uma das soluções para esse conflito seria justamente um tratado de dupla tributação (ADT) entre o Brasil e os EUA.
No entanto, as negociações de um ADT entre o Brasil e os EUA estão, há anos, na pauta da Confederação Nacional da Indústria e de seus mecanismos empresariais. Segundo Netska, trata-se de um processo muito complexo, no qual é necessário o alinhamento de diversos pontos e aprovação pelos poderes Legislativo e Executivo de ambos os países.
Outra solução seria o Brasil se aproximar do modelo da OCDE para que possa ter parâmetros fiscais baseados nos EUA, numa perspectiva internacional. “O modelo consiste em tratar as empresas vinculadas como se não fossem vinculadas. Baseado no princípio arm’s length (transação de plena concorrência), ele busca alcançar o valor da operação praticada entre pessoas relacionadas como se estivessem negociando em condições de livre comércio, pelo preço fixado pelo mercado”, explica o contador. “Já que ambas as soluções são demoradas, as empresas precisam tomar suas próprias medidas para mitigar os efeitos”, acrescenta.
Antes da TD, os Estados Unidos compensavam os impostos pagos ou retidos na fonte em outros países. Ao mesmo tempo, a Receita Federal, reconhecendo a reciprocidade no tratamento das legislações, admitia também a compensação no Brasil do imposto pago ou retido nos Estados Unidos.
A nova exigência muda isso e aumenta o custo das operações entre os dois países, além de impedir aquilo que já vinha acontecendo, com a Receita Federal compensando o imposto pago pelas empresas brasileiras nos EUA.
“Por não haver acordo entre Brasil e Estados Unidos para evitar a dupla tributação, apenas impostos pagos no Brasil que sejam provenientes de atividades efetivas no Brasil, além de fontes ou propriedades aqui instaladas, é que poderão ser deduzidos ou compensados do imposto devido nos Estados Unidos pelo reconhecimento da receita proveniente do Brasil”, reforça o sócio e coordenador da área de Consultoria Tributária na Andrade Silva Advogados, Ivo Neri Avelar.
Avelar explica que o governo brasileiro concede muitos benefícios internamente para atrair empresas. Em função disso, o imposto que é devido aqui não é pago em sua totalidade. “Só que, lá fora, a empresa compensa o total que é devido e não o que foi efetivamente pago. Ou seja, ela estará compensando um valor maior do que o que ela pagou aqui dentro do Brasil, transferindo para o estrangeiro esse ônus tributário, que os outros países não aceitam”.
Como efeito imediato da medida norte-americana, o advogado cita a possibilidade de não contratação de empresas americanas por empresas brasileiras, já que o valor remetido aos Estados Unidos será tributado aqui e novamente naquele país.
Consequências devem ser negativas para ambos
Para o presidente da American Chamber of Commerce for Brazil ou Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham), Abrão Neto, as conseqüências das mudanças nas regras tributárias norte-americanas são ainda piores e negativas tanto para o Brasil como para os Estados Unidos.
“Para o Brasil, o efeito principal será a perda de competitividade na atração de investimentos estrangeiros. As novas regras americanas resultam na dupla tributação de remessas de lucros ao exterior, importações de serviços e aquisição externa de tecnologia feitas a partir do Brasil. Do ponto de vista dos Estados Unidos, suas empresas com operações no exterior terão os custos tributários elevados e perderão competitividade sobre seus concorrentes comerciais”, lamenta Neto.
De acordo com o presidente da Amcham, em muitos casos, essas medidas já começam a ser sentidas desde já, pois as empresas planejam e definem a sua alocação de investimentos globais com antecedência. “Sabendo do aumento de custos que haverá em razão dessas mudanças tributárias, esses investimentos poderão deixar de vir para o Brasil e serem destinados para outros países com custos menores”, alerta.
“Em particular, o Brasil será mais afetado, pois não possui um acordo para evitar a dupla tributação com os Estados Unidos e também não possui uma legislação tributária alinhada com a OCDE, como no caso dos preços de transferência”, acrescenta Neto.
O prejuízo se dá em várias áreas. Como os Estados Unidos têm uma presença no Brasil bastante ampla em termos setoriais (varejo, serviços especializados, bens de consumo, energias renováveis, farmacêutico, dentre outros), o investimento estrangeiro aqui pode ser bastante afetado.
“Em particular, esses impactos podem ser ainda mais sensíveis para setores intensivos em alta tecnologia e que fazem aquisições de serviços de mais alto valor agregado. Vale lembrar que os Estados Unidos são o maior investidor no Brasil (com mais de US$ 100 bilhões em estoque) e o maior parceiro em comércio de serviços e bens de mais alta tecnologia”, aponta o presidente da Amcham.
Segundo Abrão Neto, os governos do Brasil e dos Estados Unidos podem atuar juntos para mitigar ou eliminar esses efeitos. No curtíssimo prazo, é preciso um entendimento para postergar o início dos efeitos da legislação americana, permitindo tempo suficiente para a adaptação das empresas e a adoção de ações definitivas.
No médio prazo, o Brasil precisa convergir suas regras tributárias às diretrizes da OCDE, como no caso do sistema de preços de transferência. As autoridades brasileiras já têm dado passos efetivos nesse sentido, mas ainda é necessário alterar a legislação brasileira no âmbito do Congresso Nacional. Ainda nos moldes da OCDE, outra ação necessária de médio prazo é a negociação de um acordo para evitar dupla tributação entre os dois países.
Mudanças resultam em bitributação de empresas
De acordo com o contador da AllShore Accounting & Services, Henrique Netska, a partir da TD 9959, os prestadores de serviços norte-americanos não podem creditar-se do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e somente existiria a possibilidade de creditar-se caso a fonte de pagamento e produção fosse desenvolvida fisicamente no Brasil.
Haverá também dupla tributação na remessa de companhias brasileiras para empresas localizadas nos Estados Unidos, pois elas terão de recolher o Imposto de Renda na fonte e não poderão compensar tais valores nos EUA, o que afeta diretamente a antiga compensação de 15% do IRRF incidente nas remessas para o exterior e de 21% referente ao imposto de renda que empresas americanas pagam nos EUA.
Além do IRRF, ao não cumprir com os requisitos exigidos pela TD 9959, o efeito seria que nenhum tributo brasileiro, sejam Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL), poderia ser creditável nos Estados Unidos.
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